Como pode o
analista auxiliar o processo mental de seu paciente? A função de mentalizar,
alfabetizar, qualquer outro nome que demos à ao processo de simbolizar os
fenômenos da vida quotidiana, torna-se um fulcro -um ponto- em torno do qual
gira o mundo. Temos três mundos: o mundo real, que se manifesta nos fenômenos; o
mundo imaginário, dos nossos sonhos; e o mundo simbólico, que representa estes
outros dois e na verdade faz a comunicação, dá o sentido aos outros mundos. De
alguma forma, vivemos no mundo simbólico, sentimos e até vivemos nas palavras...(esquecendo
que elas são apenas o dedo que aponta para a lua, e não a lua, um indicativo do
que ser quer dizer e não o que se quer representar, a coisa em si).
O analista
oferece ao analisando um setting, que é simultaneamente presente nestes três
universos. Mas a comunicação se dá pela via simbólica. Mesmo o gestual é dotado
de um sentido ou um significado, pois a comunicação pode ser verbal ou não
verbal. O mundo interno e o externo, o objetivo e subjetivo, o eu e o outro, se
encontram através da comunicação verbal e gestual, emocional e racional, que
auxiliam a organizar um significado. A substância de que a realidade é formada
nos escapa. A chamamos de caos, inconsciente ou marasmo, quando nos falta a
compreensão que possa abarcar a pletora de acontecimentos que superpõem em
infinitas direções.
Para tanto, decompomos e classificamos esta
complexidade na tentativa de compreendê-la. Mas ela continua a nos escapar. E
daí nasce a ansiedade. Desespero diante do desconhecido. Mas por que não prazer,
diante das novidades? Na verdade, o ser humano depara-se sempre diante do
desconhecido, do incontrolável, daquilo que o supera: -O existir no mundo, as
forças da natureza, os outros seres humanos, com suas infindáveis exigências em
relação a nós... As forças do mercado, os impostos a pagar, a incerteza quanto
à própria condição, podem levar o homem ao desequilíbrio.
O homem nasce
muito desamparado e necessita de cuidados pela vida afora, senão não sobrevive.
Inicialmente fisicamente e depois psicologicamente, necessita de apoio. E no
afã de encontrar este apoio, que o auxilie a vencer o desamparo e o sentimento
de solidão, suporta as piores condições, quando não encontra selfobjetos
empáticos. Este é o nascedouro das deformidades de personalidade e das perversões.
O sadomasoquismo, a agressão, a violência, tanto causada como sofrida, aqui tem
sua fonte primordial.
Precisamos
oferecer ao homem um lugar onde possa sentir-se seguro. Amado, acolhido e
confortável. Este é um espaço funcional, como vamos chamá-lo aqui. Um espaço
que contenha em si a capacidade de colocar para funcionar a mente do homem
por garantir de alguma forma sua
segurança diante do desamparo. O analista é o fiador deste espaço. Tudo que ele
tem a oferecer é sua fé, no seu método e por acreditar na capacidade de
desenvolvimento do ser humano. Isto porque é de fato um ser humano como
qualquer outro, sujeito às mesmas desgraças que seu paciente está sujeito. Mas
ele se oferece para ser usado de um modo especial, a ocupar um lugar que não é
seu, até que seu paciente suporte o caos do real. Até que este consiga
mentalizar e simbolizar por si, se apoiará e modelará no vínculo empático que
mantém com o analista, que acredita na capacidade de pensar de seu paciente. Em
outras palavras, um selfobjeto apoiador e adequado, que restaura os traumas das
relações pertubadas do passado.
O espaço
funcional é um espaço que se utiliza provisoriamente até se conquistar o espaço
aberto do universo e do mundo, é um pequeno mundo protegido. É o espaço que os
pais fornecem aos filhos, onde as crianças exploram o mundo nas proximidades da
mãe, mas mantendo nela seu ponto de referencia. O problema é que este espaço é
virtual e não real. O analista o mantém sendo um selfobjeto responsivo,
fornecendo o setting analítico para que se monte o espaço funcional e assim os
fenômenos entre analista e analisando permanecem protegidos da dura realidade.
O problema principal é que esta entra sem ser
chamada, e aí acontecem os problemas, inevitáveis, por que a frustração mostra
ao paciente que não há proteção real contra a solidão e o desamparo da condição
humana. E tampouco que seu analista é perfeito. O próprio analista denuncia ao
paciente suas tramas e envolvimentos que visam a dependência ou o controle do
setting/analista. O paciente quer se apegar como um bebe à sua mãe, que quer
cuidados ao chorar, satisfazer suas necessidades com a mãe/analista. O apego se
dá pela crença na incapacidade de pensar e não acreditar em si mesmo. P
Para pensar
precisamos de organizar nossa mente. Precisamos ter uma experiência emocional
organizadora. Necessitamos de que um ser humano possa nos propiciar um local de
crescimento protegido onde se possa tolerar o impacto da realidade. Só assim em
vez de buscar o apego/controle, se poderá buscar livremente a relação com outro
ser humano. No lugar de dependência ou abuso, onde há destruição da capacidade
de pensar independente, haverá uma empatia nas relações, onde será possível uma
experiência emocional organizadora, que facilitará a tolerância á frustração e
ao desamparo. Nestas circunstâncias, ocorre então a possibilidade de um funcionamento
mental diante do mundo como ele é, o mundo onde se vive na ação e onde se
aprende com a experiência criadora a ser realizado e feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário