quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


Apreciação de uma Bienal do Mercosul

Em 2007, tive um renovado interesse por arte moderna. Tive a oportunidade de ir à Bienal do Mercosul. Proponho-me neste espaço tentar repartir com vocês o que lá aconteceu. A arte é simultaneamente comunicação e realização. Quando não podemos resolver algo no mundo das formas concretas ou na vida pessoal, o caminho de arte é uma possibilidade. É uma espécie de substituição do que poderia ser. Mais vai além da mera probabilidade; o mundo do imaginário e do símbolo, irrompe nas obras de arte. O sonho, a imaginação do artista,  arrasta consigo para outro espaço e tempo, o seu público. Sempre olhando as paredes, não vemos o teto. Vivemos nos espaços circunscritos das casas e locais de trabalho, na rotina. Qual é a surpresa, quando entramos em uma sala “vazia” e nada lá  acontece...ateé que nos damos conta, (se não sairmos frustrados e apressados antes) ao ver que a obra a ser observada, não está  na parede, mas sim no teto! 
   
Há um mundo real, que é a natureza, e um mundo construído pelo homem, em dois níveis: religião, obras de arte e ciência no patamar mais elevado e os produtos da tecnologia: pontes, casas, prédios e celular. Inicialmente ao se entrar no recinto de uma exposição, há de se ter um tempo para caminhar. Não é ver o que está exposto e partir às pressas para a próxima sala.Há que se ir sentindo, vendo, dando tempo da mente ir juntando o sensorial e o emocional. Pode ser que surja alguma lembrança, que aquilo te traga algum sentimento ou pensamento à mente. Pode ser também que você não perceba nada, sinta nada. Não espere ver o que esperava ver. Antes de permitir que a obra entre dentro da sua mente, você não sabe o que vai ver. É comum se ficar perguntando: o que é isto? Tal questionamento necessita de um deixar a percepção ocorrer e suspender por um momento o processo mental.  Deixe espaço para a obra  poder te transmitir a mensagem oculta. O que ela transmite a você? Sentir em si mesmo neste momento, e ser receptivo, é o ponto a ser atingido. Isto por si só já configura um ganho de ir a uma exposição de arte, pois propicia este exercício tão necessário: entrar em contato com os próprios sentimentos, e a partir daí, a construção do pensamento. Simultaneamente tão simples e tão complexo. É um ponto de partida para as descobertas. Descobrir: ver o que estava coberto.

 Estamos tão envolvidos na luta pelo trabalho de todo dia que não vemos que  seguramos em nossas mãos a ponta da corda. Só vemos o novelo, o nó emaranhado. O nó é enorme, e o homem que segura a corda, pequenino. Vemos o nó e não vemos o homem. Esta obra foi exposta da forma que a descrevo: um minúsculo homem segura em suas mãos uma enorme e pesada corda. Estamos tão envolvidos com rotina que não vemos o por do sol. As câmeras ocultas em lojas, aeroportos mostram o movimento das pessoas. Um segurança vira sua câmera, já não mais para o que deveria vigiar, e sim para observar o por do sol. Claro, ele foi demitido, mas seu vídeo foi exposto, e é de uma beleza que toca fundo, principalmente quando ficamos sabendo o que estava acontecendo. Não era só uma foto de por de sol. Era alguém que ao por do sol, todos os dias, por uns minutos, lembra-se de algo maior que ele mesmo, de um ritmo da natureza do qual nos distanciamos tanto, que nem percebemos mais. Perdemos a sensibilidade. O que parece fácil, é difícil. O que parece longe, pode ser mais perto. Para ver, é preciso procurar. Para entender, é necessário aceitar não saber. O que acontece quando se entra em uma sala de exposição e tudo que se vê são duas cordas finas de lã de cerca de meio centímetro de diâmetro, saindo o teto, em formato de U se cruzando e outras, verticais nas beiradas? Já não podemos circular livremente, somos tolhidos, as linhas causam uma delimitação do espaço da sala que é palpável, mais sólidas do que sua flexibilidade permitiria supor. É como se repentinamente o artista nos transformasse em perus, aves que podemos manter presas em um círculo traçado no chão. E assim é realizada uma máxima transformação do espaço, com um mínimo de substância. Esta distorção, é nossa mente, que é enganada.  E como confiamos na nossa mente racional! Chegamos a achar que é tudo que somos! Arte neste caso, nos auxilia na construção de um espaço diferenciado de percepção.

 Mais freqüentemente na arte moderna, o que se faz é uma descontrução. Edifícios são transformados em superposição de linhas verticais e planos; o dentro e o fora dos objetos são alterados. Além disto,nota-se em muitos trabalhos uma tentativa de quebrar a seqüência temporal ou a causa e efeito. Consegue-se este efeito com longas seqüências de vídeo, nas quais uma coisa sucede à outra, até que se dissolve, sem o grande acontecimento que todos aguardaram. Ou simplesmente alguém faz alguma coisa e não vemos propósito algum naquilo. Estamos muito acostumados que tudo tem de ter uma finalidade e um sentido. Procuramos causa e efeito como se tudo as tivesse. Qual o sentido da repetição do mesmo? Nossa sociedade é especializada atualmente na produção do mesmo e do descartável. Isto por um lado cria a enormidade e por outro, a banalidade. Mais do mesmo é só quantidade, não há qualidade. Não há espaço interior, não há espaço mental, só há forma, imagem, exterior. Tudo se volta para o visual apenas, desfibrado de seu conteúdo, de sua utilidade. Não se compra algo por que se precisa ou por que se é útil, mas por causa de “eu quero”; “todo mundo tem” ou similar. Faz se necessário buscar passagens em si e nos outros, que nos permitam outros espaços e novos tempos, para escapar da mesmice. O questionamento do que parece ser e no entanto não é. A expansão de uma forma ou objeto, leva à sua transformação, virando outra coisa. É a polaridade Yin/Yang causando o movimento e a transformação, presente em tudo que é vivo. Estar vivo, eis a questão. 

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